domingo, 8 de março de 2009

Crônica

Lendo hoje O Globo, deparei-me com a belíssima crônica do escritor João Ubaldo Ribeiro, que foi, digamos, o estopim para a criação deste blog. Obrigado, João Ubaldo!


ANTESSALA DO INFERNO

João Ubaldo Ribeiro

Não está na moda acreditar no inferno, mas encaro isso com suspeita, pois não dizem que a maior vitória de Satanás é não acreditarem nele? Aliás, atrevendo-me a adivinhar a estratégia do Inimigo, imagino que deve ser assim mesmo, pois ao desdenhar da sua dele existência e das penas avernais, seus prepostos e futuras almas sob seu domínio vão fazendo o trabalho dele sem lhe dar cuidados. A expressão “estar como o Diabo gosta” deixa de ser brincalhona e passa a aplicar-se seriamente ao Brasil. Correndo o risco de soar cínico, chego a sugerir que a crença na existência do inferno seja fomentada pelos óbvios descrentes que nos governam. (Ou então crêem, mas acham que Deus olha para o outro lado e não os vê nas muitas horas em que estão perpetrando todo tipo de bandidagem; e, claro, confiam em que a misericórdia divina é infinita, esquecendo que é infinita, mas não otária.) Funcionaria, se é que não já funciona, como excelente ópio do povo. Acreditar no inferno pode ser, para muitos brasileiros, a única maneira de manter uma relativa sanidade mental. Já se viu que, neste vale de lágrimas, os salteadores que se instalaram em todos os poderes, em todos os níveis, em todos os graus desta federação de meia-tigela, nunca vão pagar por nada. Por conseguinte, resta ao cidadão ultrajado, roubado, menosprezado e vilipendiado botar fé em que Satanás, mais dia menos dia, cuidará do assunto à sua maneira. Não foi à toa que, como é mostrado no livro de Jó, Deus criou Satanás e tem uma certa curiosidade paternal sobre ele e suas realizações – vamos dizer que o acha um mal necessário.
Talvez até não seja tão ridículo assim imaginar um inferno como nas ilustrações de Gustave Doré para A Divina Comédia, ou mesmo pior, com lagartões comendo o sujeito vivo, poças de excremento onde se é obrigado a chafurdar (“saíste do metafórico para o literal”, poderá brincar um diabão letrado, ao aplicar esse tratamento no próximo senador que for dar com os costados lá), tentar dormir em catres permanentemente úmidos, frios, cheios de pulgas, aranhas, baratas e ratazanas, com o sono frequentado por pesadelos medonhos. Por que não? Todo homem constrói seu próprio inferno e, se é assim que pensa no inferno um desses meliantes, assim seu inferno será. Peço desculpas pela teologia de botequim, mas creio estar dando minha contribuição para a estabilidade social do País. Existe inferno, tem que existir.
Inicialmente, pensei em tomar emprestada a expressão aplicada por um senador ao Congresso Nacional (ou somente ao Senado, não tenho certeza, mas me responsabilizo pela extensão): casa de tolerância. Mas depois pensei na grande injustiça contra as prostitutas assim cometida pelo senador e não quis repeti-la aqui. Não estou fazendo graça, não, é uma injustiça mesmo. Quantas prostitutas (só estou tratando das profissionais, as idôneas) se locupletaram do dinheiro público? Quantas prostitutas afanaram verbas destinadas a obras de saneamento, merendas escolares e todo tipo de programa, até mesmo os destinados a matar a fome dos mais miseráveis? Ou seja, quantas prostitutas encheram o pandulho à custa da fome de uma criança? Quantas prostitutas mantêm escravos a seu serviço? Quantas prostitutas mentem como rotina, se valem de truques jurídicos para tirar o toba da seringa e enriquecem por fraude, concussão, advocacia administrativa e todo tipo de tramoia concebível? Quantas prostitutas têm entrada na polícia ou respondem a processos criminais, descontando-se que não têm imunidade nem foro especial e são tratadas com santimonial hipocrisia até pelos fregueses? Quantas prostitutas contribuem todos os dias para a descrença geral, o cinismo, a desmoralização das instituições democráticas, o “cada um cuide de si”, “farinha pouca, meu pirão primeiro”, “se eu não meter a mão, neguinho vem e mete”, “vassífu o avião, que eu não sou piloto” e mais lemas que hoje orientam nosso comportamento? Será exagero aqui do poeta oferecer a hipótese de que o Brasil tem muitíssimo melhor exemplo em suas putas que em seus parlamentares?
Os congressistas talvez se enganem um pouco com a imagem do Congresso e de seus membros. Enganam-se para melhor, pois pouco falta para, na usança popular, político, deputado, senador, vereador etc. virarem sinônimos perfeitos de ladrão esperto e impune. Pelo interior do Brasil, já há muita gente apelidada pejorativamente de Político ou deputado e sei de pelo menos um proprietário de jegues, Luís Olegarino, lá de Itaparica, que se recusa a chamar seus animais de qualquer nome que, mesmo remotamente, lembre políticos. “O bichinho nasce e eu vou logo difamando?”, diz Luís.
Ninguém os respeita. Pela frente, sim, a maior parte com medo de desagradar a autoridade. Fomos, quase todos nós, criados para ter uma postura subserviente diante da autoridade e agir como se o ocupante de cargo público não existisse para servir ao cidadão. Outra parte por puxassaquismo. E ainda outra parte por admiração, pois considera a política, conforme o exemplo vindo de cima, o caminho mais seguro para o sujeito “se fazer”. Tanto assim que se contam nos dedos os políticos que não encerram a carreira com o patrimônio opulentamente engordado, tudo dentro desta “legalidade” indecente, que não se faz nada para mudar. A coisa pública é conduzida como feudo, aceita-se tudo e não se responde por nada, dentro de um sistema podre, imoral e delinquente, sem valores que não os da pilhagem, sem ética que não a do silêncio conivente, sem ideal que não a prosperidade pessoal. O País é governado por decretos-leis com o nome artístico de medidas provisórias. O Congresso, para o povo, não é nada, não serve para nada além de roubar e dar despesa. E ainda falam em imagem. Nem se olhem no espelho, que o espelho ou quebra ou cospe em vocês. E, sim, o inferno existe, pensem nisso.

Figura da semana

FERNANDO COLLOR DE MELLO

CIDA FONTES - Agencia Estado

BRASÍLIA - Em uma disputa acirrada com o PT, o senador Fernando Collor de Mello (PTB-AL) foi eleito nesta quarta-feira, 4, presidente da Comissão de Infraestrutura do Senado. A votação foi secreta e o ex-presidente obteve 13 votos, enquanto a senadora Ideli Salvatti (PT-SC) recebeu 10 votos. O PMDB e o DEM se juntaram ao PTB de Fernando Collor para derrotar o PT. A favor de Ideli votaram três senadores do PSDB, um senador do PR, um do PCdoB e dois do PDT.

Apesar do voto aberto declarado pelo líder do PSDB, Arthur Virgílio, que anunciou a posição fechada de seu partido, o tucano Marconi Perillo (PSDB-GO) não compareceu à votação da comissão. Diante disso, foi chamado o suplente, senador Antonio Carlos Magalhães Júnior (DEM-BA), o que resultou em um voto a mais a favor de Collor. Nos bastidores, Perillo havia comentado que não participaria da votação porque não votaria em Ideli.


Fonte: Estadão

http://www.estadao.com.br/nacional/not_nac333298,0.htm

Mais um na multidão...

"Até quando você vai levando porrada? Até quando vai ficar sem fazer nada?" - Até quando - Gabriel, o Pensador.


Resolvi criar este espaço como forma de desabafo de mais um cidadão brasileiro indignado, ciente de ser só mais um na multidão. Uma multidão de indignados silenciosos [(...)a nossa indignação é uma mosca sem asas; não ultrapassa a janela de nossas casas(...) - Indignação - Skank] diante das "peripécias" de nossa classe política. Uma classe corrupta, capaz de tirar o mínimo dos miseráveis para a ostentação de seus caprichos. Até quando seremos essa multidão de silenciosos? Até quando iremos suportar ver nossa Res Pública ser afanada, saqueada, humilhada e ultrajada, sem que tomemos quaisquer atitudes dignas de alguém com brios? "Até bem pouco tempo atrás, poderíamos mudar o mundo. Quem roubou nossa coragem?", ja nos questionava o poeta Renato Manfredini Júnior, conhecido como Renato Russo. O que nos tornou uma multidão de conformados diante da roubalheira generalizada em todas as esferas do Poder Público? Por que nos acomodamos? A quem poderemos recorrer? "Pra prender ladrão, chame a polícia..." E quando a polícia é também o ladrão? Antes que alguém me peça a resposta, digo que não as tenho, mas sei que o conformismo não é a solução... Ouvi certa vez uma daquelas frases que soam como filosofia barata, que diz que: para que o mal vença, basta que as pessoas de bem não façam nada! Desconfio que não haja pessoas de bem no Brasil, ou existem em número irrelevante. Quantas vezes já ouvimos alguém dizer que "se estivesse lá (no poder), também roubaria"? Essa história de dizer que brasileiro é honesto, etc., etc., é balela! O povo só espera uma chance de pegar a sua parte do butim... Mas tenho fé de que nós outros, os que realmente querem um país melhor, onde a impunidade não seja a garantia para que se roubem os robustos cofres públicos, os que não são adeptos do "jeitinho", os que, se estivessem "lá", não roubariam, os que não suportam mais calados a desfaçatez da classe política brasileira um dia mudaremos a mentalidade da legião de analfabetos políticos do Brasil. Um dia que parece estar cada vez mais distante...